2007/07/25

 
VIAJAR, CÁ DENTRO...

Já lá vai o tempo em que se dizia: Portugal é Lisboa, Porto e Coimbra, o resto
é paisagem... E, de facto, assim era. O "resto" era o Portugal rural e esquecido,
desprezado pelos governantes do Terreiro do Paço. Com a entrada na ex-CEE,
actual UE, o país transformou-se radicalmente. Hoje temos cidades no interior
do país com tão bom nível de vida, ou melhor, do que Lisboa e Porto. Refiro-me
a Mirandela, Vizeu, Évora e Portimão. Outras cidades menores, do interior, estão
em expansão e revitalização, e já perderam a patine dos tempos decadentes.
Cidades como Castelo Branco, incluida no Programa Pólis (lançado nos primeiros
anos da governação de António Guterres), foi a primeira capital de distrito a
completar os projectos idealizados para a mordernização e revitalização da urbe
albicastrense. A cidade está agora mais atraente, mais funcional, mais enriquecida.

Piscina Praia de Castelo Branco... A piscina tem 3.950 metros quadrados
de água, 150 cadeiras, 1.000 toldos, 1.000 cacifos e 750 lugares para carros.


Se José Saramago visitasse agora Castelo Branco, como o fez em 1981, para escrever o livro Viagem a Portugal, não se limitaria a citar parte do poema de
João Ruiz de Castelo Branco: "Senhora, partem tão tristes/os meus olhos por vós,
meu bem,/que nunca tão tristes vistes/outros nenhuns por ninguem". Saramago
diz que Ruiz fraca obra fez, apenas este poema, e só por ele consta na história da
Literatura Portuguesa... Não sabemos, não há registos, mas é provável que tenha
feito mais poemas, em português arcaico, a dispensar a tradução do castelhano,
o idioma utilizado em grande parte pelos autores do cancioneiro nacional.
Saramago dá-nos a sua visão de uma cidade, Castelo Branco, que já não existe.
"Este lado da cidade [da Rua dos Peliteiros até ao Jardim do Paço] é tão provinciano
ou provincial [...] que o viajante tem dificuldade em admitir que ao redor destas
ruas e pequenos largos, haja sinais de vida moderna, febril e agitada como se diz".
Dá-nos a sua visão do Jardim do Paço, com o "buxo aparado", um jardim sem bancos
para o viajante se sentar, ler um livro ou meditar. Saramago referencia as estátuas,
os anjos, as estações do ano, as virtudes do cristianismo. No final, confundido, volta
ao início, não à Rua dos Peliteiros, mas à Alameda da Liberdade, onde está a estátua
de João Ruiz (ou Roiz) de Castelo Branco, tambem conhecido por Amatus Lusitanus...
Saramago foi "tocado" por um anjo, como por milagre, que lhe tirou as suas dúvidas.
É que, aquele João Ruiz não era o Cancioneiro do poema citado, mas sim o ilustre
médico, licenciado em Salamanca, que andou pela Europa, fugido à Santa Inquisição.
Amatus Lusitanus esteve em Antuérpia, diversas cidades de Itália, na Repúblicade Ragusa (actual Dubrovnik, Croácia), acabando por fugir para Salónica, que era parte do sultanato da Turquia, e onde a Santa Inquisição não o podia acusar de heresia, e condená-lo à fogueira...
Mas ali morreu, de peste, pouco tempo depois.

Fachada do Tryp Colina Hotel donde se desfruta de um vista panorâmica
impressionante sobre parte de Castelo Branco e as serranias longínquas.


A verdade é que hoje, Castelo Branco, nada tem a ver com a cidade visitada por Saramago. Está transformada, mas ainda tem muito património para proteger e recuperar. Do Castelo, resta o que resta, porque lá estão duas igrejas... e dezenas de torres com antenas parabólicas, de rádio, televisão, telefones, transmissão de dados codificados, etc. Ao lado, a poente da colina, está o Tryp Colina Hotel, uma unidade hoteleira do Grupo Sol Meliá. Bom serviço, óptimos quartos, boa piscina, jacuzzi, massagista, ténis... e uma vista panorâmica de 180 graus sobre a cidade, e o horizonte a perder de vista numa extensão com 80 quilómetros de distância. Aquela colina, a do Castelo, é o ponto central mais elevado, à volta do qual se espraiam campos, cidades e aldeias num raio aproximado de 80 quilómetros. Dali se pode observar, Monfortinho, Penha Garcia, a aldeia de Monsanto, Idanha-a-Nova. Do lado poente, sobressai, lá longe, a serra de Alvelos, de Murabal e Gardunha. Não há cidades, só vilas e aldeias. Ali começa a zona do pinhal, Oleiros.


A colina do Castelo, do lado nascente, é um emaranhado de ruas estreitas, vielas curtas, sem acesso a carros. É a Alfama lá do sítio. Nas décadas de 1940 a 1970 foram cometidas algumas barbaridades na estrutura do casario. Janelas em alumínio, alterações ao traçado das ruas, demolição de casas, etc. Neste momento a situação parece estar controlada e vigiada pelos erviços camarários e pelas entidades ligadas ao património histórico. Descer aquelas ruelas, é fácil. Dificil e cansativo é depois subir até ao Castelo. A cidade tem delegação da RTP, da PT e um magnífico edificio, todo em pedra de granito, séde da delegação do Banco de Portugal. Não falo do Paço nem da Sé, de que muito já se sabe. Mas quero falar de outros sítios. Por exemplo, da Avenida Nuno Alvares, que vem da Estação da CP, até à Alameda da Liberdade (Docas). É uma avenida rasgada na década de 1940, ampla, com quatro faixas de rodagem, mais os passeios laterais, que são outro tanto. Tem árvores frondosas, canteiros ajardinados, passeios para peões, para carros, e ainda sobra espaço. Nesta avenida encontra-se o ex-Liceu Nuno Álvares, inaugurado em 1946, e cujo pavilhão central é adornado por dois corredores que ligam a dois outros pavilhõs laterais. Era o modelo de edifícios que o Estado Novo fomentava, tendo por base as linhas da arquitectura seguida na construção dos edifícios e monumentos relacionados com a Exposição do Mundo Português. Pois num dos pavilhões laterais do antigo Liceu ainda lá está, esculpido no granito, o seguinte: "A charrua penetra o solo mais que o ferro da espada; o espírito afeiçoa e transforma os homens e a natureza mais profundamente que a força material. - Salazar". Em Castelo Branco, os anos da brasa tambem foram heróicos. E aconteceram transformações. A avenida Marechal Carmona, que vai da actual Docas (antigo Largo da Câmara) até à Praça Europa, passou a chamar-se Avenida Humberto Delgado. Lá estão, de um lado a séde do PCP, e do outro a séde da União dos Sindicatos de Castelo Branco... É o que resta dos anos da brasa. Esta avenida tem prédios em granito, construidos antes de 1940; prédios construidos depois desta data, com varandas e sacadas; e prédios mais recentes, tipo caixote, sem varandas nem sacadas, construidos na década de 1970, junto à actual Praça Europa.
Tem algum comércio tradicional (ainda), mas ali sobressaiem as Chinese Shops.
"Tlês glandes lojas de comélcio chinês"... O comércio começa a ser afectado com
a instalação de grandes superfícies nos arredores da cidade. O Continente está
perto, e vende tudo o que vende em Lisboa. Até o pão de Mafra e o queijo de Azeitão,
ali se encontram... Isto é uniformizar o gosto dos consumidores, caramba!
Na avenida Nuno Álvares há de tudo: prédios residenciais, moradias enormes sem ninguem, cheias de silvas, completamente abandonadas. Tem o Centro Comercial Nuno Álvares, com boas lojas, e tem a Café-Pastelaria Império... Nuno Álvares, Salazar, Império... as teias que o Império tecia, nas cidades. Nos anos da brasa, muita coisa mudou, incluindo o nome de algumas ruas, praças ou largos; só não conseguiram mudar o "pensamento de Salazar", expresso a cinzel no granito do antigo Liceu Nuno Álvares.

Pormenor dos Jardins do Paço, lugar faustoso do poder episcopal.

Gostei de viver uns dias em Castelo Branco. É uma cidade despoluida.
Nos jardins ainda se sente o cheiro de cada árvore, planta ou flor. No Parque
da Cidade -- frente ao Jardim do Paço -- o modernismo aliou-se ao passado
de forma harmoniosa. É um festival de água, em repuxos e fontes, e uma lição
sobre as culturas agrícolas da região. Entre canteiros floridos e árvores de
jardim, estão situados, nas laterais, canteiros com os produtos que as terras
daquela região produzem: a cebola, o alho, a batata, o melão, a melancia, as
nabiças, o cebolinho, a videira, a oliveira, a macieira... Ali está um quadro rural
da região, que certamente muito ajuda a população escolar a compreender e
a amar a terra que semelhante riqueza produz.
Castelo Branco tem uma zona industrial, criada há poucos anos, mas que, em
face de tão numerosa diversidade de indústrias e quase completa utilização da
área do enorme parque, tudo leva a crer que está a ser um sucesso.

Enfim, esta é a minha visão de Castelo Branco actual. Para os que gostam
de observar a Natureza, recomenda-se uma ida a Malpica do Tejo, donde pode
aproximar-se do Parque do Tejo Internacional. É uma área isenta de ruido,
onde o cheiro da terra e das plantas se sente de forma intensa, e onde as aves
e a caça em geral não são perseguidos pelos "bravos" caçadores. A paisagem
lembra o presbítero Eurico, de Herculano, na sua solidão: "Eu e o silêncio eramos
quem estava ali
". Se os "esquizofrénicos" da política vivessem nesta atmosfera,
ainda que por breves dias, teriam da vida outro sentido.
Monfortinho, perdeu o élan de outros tempos. Monsanto, a aldeia encravada
nas pedras, é o "passado morto". Só se vêem velhos. Com a próxima geração,
passa a museu de pedras vivas. Mas o progresso chegou lá. Tem água canalizada,
saneamento básico, urinóis públicos, rede fixa de telefones, etc. A animação é
feita pelos turistas, espanhóis, franceses, italianos, e portugueses, naturalmente.
Recomenda-se o restaurante Petiscos e Granitos, na Rua da Pracinha, onde
Saramago deixou testemunho, no xisto das paredes da casa, sobre os sentidos
causados por aquelas pedras. Um bom prato, são as costeletas de cabrito na
brasa com migas e as papas de carolo para sobremesa. Em Castelo Branco,
temos o Kalifa, ali, junto às Docas, com duas grandes salas, muito bom serviço e
com pratos de boa qualidade. Saboreei lá um arroz de cabidela de galo capão que
dava para dois, acompanhado de um Esteva tinto, um Douro de 2003, muito bem
maturado. O Espeto tem boas carnes, e o Subúrbio tem o melhor em rodízio de
carnes. Não esquecer o restaurante do Tryp Colina Hotel, onde comi um
estufado de javali digno de um bom poema... E agora, façam-se à estrada!





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