2004/11/09

 
A propósito dos 25 anos de carreira literária de António Lobo Antunes, o
"Público" de hoje apresenta-nos uma entrevista com o escritor, conduzida por
Adelino Gomes que merece ser lida com muita atenção porque, através dela,
ficamos a conhecer a mente brilhante do autor do livro "Memória de Elefante".
Lobo Antunes fala do ego, da vaidade, da arrogância, do silêncio. Só um grande
"mestre" consegue assumir em público os seus êrros, as suas vaidades. Só um
escritor atento ao tempo que corre, consegue admitir o conflito que há em si, e,
humildemente, confessa que errou: "olha-se para trás e pensa-se: o que eu podia
ter feito, o que fiz e o que não devia ter feito [...] - Não ter magoado pessoas
que magoei; não ter sido desatento em situações de amor (amor homem-mulher,
amor com os filhos, com os amigos), a pouca disponibilidade para as pessoas,
por exemplo amigos doentes. Eu ia lá muitas vezes. Mas devia ir mais". [..] É
tremendo porque a gente quer exprimir sentimentos em relação a pessoas e as
palavras são gastas e poucas. E depois aquilo que a gente sente é tão mais forte
que as palavras..." O escritor mostra assim, como é dificil, em certas ocasiões,
expressarmos os nossos sentimentos. Cita José Régio: "poderia dizer-te sem
falsidade/Coisas que ditas, já não são verdade". Quem escreve, sabe disto...

Sobre o silêncio, necessário à criatividade, diz Lobo Antunes: "Outro dia
estava eu a ouvir (tanto quanto consigo ouvir) os 'Impromptus' de Schubert, pelo
Alfred Brendel, salvo erro. Aquilo está cheio de silêncio, meus Deus! Se calhar
toda a arte devia tender para o silêncio. Quanto mais silêncio houver num livro,
melhor ele é". Um escritor, "é como se fosse um médium, entre duas instâncias
que lhe escapam. A gente não sabe bem donde é que vêm as coisas. De que
parte nossa. E isso impede-lhe a vaidade, porque o seu único mérito é o de
trabalhar e receber". Sábia conclusão. António Lobo Antunes está vintage. Tem
uma sabedoria que não se encontra em muitos outros escritores. Efectivamente,
o acto de criar, requere silêncio, meditação, abertura espiritual. Só assim, nesta
atitude silenciosa, o "criativo" pode receber a inspiração que vem "não se sabe
de onde". É em silêncio, que nos abrimos para receber o que gira à nossa volta.
Doutra forma, nem o pó deixamos poisar, tanto é o barulho e a agitação. Foi
assim, em abandono, em silêncio, que Curie descobriu a radioactividade... Foi
assim, em total relax, que Arquimedes concluiu: Eureka! Foi assim com Pasteur,
Einstein, e tantos outros cientistas. Na área do pensamento, o que está para
além, chega em silêncio. A criatividade requere o abandono da vaidade, do ego.

Uma ideia persegue Lobo Antunes: quando vai parar de escrever. Fala
da morte e de Deus. "Nunca vi ninguem a morrer e chamar pelo pai. Chamavam
pela mãe ou por Deus". Lobo Antunes gostava de morrer como Tolstoi. Na Fé de
um Deus piedoso. É um bom começo para o fim da sua obra. Um homem não
deve morrer sem fé, sob pena de renegar tudo aquilo em que acreditou.
Esta é a minha singela homenagem a António Lobo Antunes. Uma memória em
poucas linhas, com poucas palavras, incompleta, mas sincera e cristã.





<< Página inicial

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Subscrever Mensagens [Atom]