2003/11/23

 
A CULTURA DO PÉSSIMISMO

Que o cidadão vulgar -- aquele que tem, como modo de vida, a rotina diária
de ir para o emprego e do emprego para casa -- tenha por hábito a lamúria
e o desalento, em vez do optimismo e da confiança no futuro, ainda que vá,
agora a nossa inteligentzia, os nossos intelectuais virem diáriamente zurzir
nos portugueses, culpando-os de todas as suas frustações, sem assumirem
as suas responsabilidades, isso é que não podemos aceitar. Porque, destes
senhores, é suposto ouvirmos um discurso escorreito de segundas intenções,
um discurso isento, rigoroso e claro sobre as questões que nos afligem.

No "Público" de hoje, António Barreto, que se apelida de "Velho do Restelo",
vem fazer-nos um "Retrato da Semana" onde vem insinuar que o nosso país
está "À beira do abismo". Para um intelectual, com a craveira de António
Barreto, chegar a esta conclusão é porque alguma coisa não está bem. Falta
saber quem está a precisar de tratamento, se é o objecto analisado ou se é
o autor da análise. É que, na verdade, o país é o que é -- é apenas o reflexo
daquilo que são os seus habitantes. Portanto, eu posso inferir que o mal está
no Dr. António Barreto. A este intelectual parece faltar-lhe o ambiente da Casa
de Mateus, em Vila Real, onde já viveu momentos apoteóticos. Essa vivência,
dava-lhe uma visão mais positiva da vida e uma compreensão mais realista
sobre o actual ciclo económico que afecta os portugueses.

António Barreto, na sua crónica, diz mal de tudo e de todos nós, só ele parece
não ter culpas nem responsabilidades, por este clima de lamúria em que o país
vive. Diz que os portugueses não planificam, querem tudo feito de um momento
para o outro; "detestamos fazer algo a que os cineastas do mundo inteiro estão
obrigados", ou seja: não temos arquitectos (prefiro estes aos cineastas) nem
engenheiros; não fizemos a Expo-98 nem a Ponte Vasco da Gama; não tivemos
o Engº Cardoso, o das pontes; não fizemos o Centro Cultural de Belém nem a
Marina de Cascais. Quem fez tudo isso, "foram os europeus"(?).... segundo diz
António Barreto. Até os estádios lindos e magestosos, foram obra dos europeus,
remata por fim António Barreto. Ora, perante estes disparates, vertidos em
espaço nobre de um jornal de referência, que podemos dizer deste intelectual?

Outro intelectual que vem puxar a brasa à sua sardinha, é Augusto M Seabra,
que em tempos de crise económica e de contenção orçamental, nos vem falar
sobre a programação do TNSC-Teatro Nacional de S. Carlos, que teve "apenas
seis produções e seis concertos", pelo que, a temporada, foi "quantitativamente
pouco menos que raquítica". Seabra chega a inumerar as obras que ainda não
foram cartaz do TNSC: o "Orfeo" de Verdi, não voltou desde 1968; "Alceste" de
Gluck, foi apresentada em 1956; "Maometto II" de Rossini, nunca foi à cena no
TNSC; "Capriccio" de Strauss, nunca foi apresentado. Feita a "radiografia das
ausências", Seabra conclui que isto "revela fundamentalmente o alheamento
do teatro de reportório barroco e pós-barroco". Mas este intelectual, apesar de
abrir o seu concerto sinfónico com "A temporada e as sombras", acaba menos
péssimista que António Barreto. Parece compreender o momento que passa.


Neste país de "Drs." -- porque os advogados continuam a dominar tudo -- faz
falta, na administração pública e autárquica, e nas empresas particulares, de
engenheiros, economistas, biólogos -- gente formada pelo ISE, pelo INESC,
pelas Universidades do Minho e da Beira Interior. Precisamos licenciados para
Inovação & Desenvolvimento. Este país sempre viveu de "Drs.", os advogados
cujo "métier" se desenvolve num ambiente social envolto em querelas, onde
tudo gira à volta de argumentos capciosos, sibilinos ou falaciosos. Temos
o processo Casa Pia, que ilustra a engrenagem mental com que essa classe
funciona. O país não se desenvolve, nem avança ou progride com mentalidades
ligadas à advocacia. Precisamos de mentalidades inovadoras, que "trabalhem"
com a técnica, a inovação, o desenvolvimento, a pesquisa -- aliadas a ciências
sociais e humanas, que façam a ponte com aquelas. O nosso futuro joga-se
na educação, no desenvolvimento intelectual dos portugueses, novos e velhos.
A educação, o ensino, é permanente. Até agora, não conseguimos virar o leme.






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