2003/09/10

 
CANCUN - A TRÍADE DO LIVRE COMÉRCIO

A Organização Mundial do Comércio (OMC) iniciou hoje, em Cancun, no México,
mais uma ronda de conversações, com o objectivo de acabar com as barreiras
alfandegárias entre os seus estados membros, a fim de incrementar as trocas
comerciais. A agenda da OMC é extensa, mas apenas vou aqui tratar da parte
que mais interessa aos países subdesenvolvidos: a agricultura. Com este tema
já temos uma ideia do que se passa naquele forum mundial, onde os interesses
dos mais ricos são incompatíveis com os dos mais pobres.
Nesta discussão temos tres gigantes, interessados em "vender" os seus exce-
dentes aos restantes parceiros. Vejamos, em traços largos, o que se passa:

A) UNIÃO EUROPEIA (UE) - Quer vender aos outros, mas não prescinde da PAC,
através da qual atribui milhões de euros em subsídios aos seus agricultores;
na UE, um agricultor, por cada vaca, tem uma ajuda diária de 2 euros, que é o
dobro do rendimento de 3/4 da população rural nos países pobres.

B) ESTADOS UNIDOS AMÉRICA (EUA) - Querem vender os excedentes aos outros,
mas através da "Farm Bill" gastam cerca de 180 milhões de dólares em subsídios
a 25 mil produtores de soja e milho, recebendo cada um cerca de 650 mil dólares.
Assim, podem exportar milho a 20 por cento inferior ao custo de produção, ou
trigo 46 por cento abaixo do valor real.... Nas terras férteis do Ohio, Nebraska,
Kansas e Iowa, existem propriedades com a extensão de 320 hectares de milho,
e a terra é trabalhada com potentes tractores orientados por GPS.... Dois terços
dos fundos do "Farm Bill" vão parar aos bolsos de 10 por cento dos produtores.

C) JAPÃO - Este país exporta para todo o mundo, tendo enriquecido, só por isso.
Mas não dá a mão aos outros, comprando produtos agrícolas. Só para proteger
os seus arrozais, o Japão desembolsa, por cada hectare, 10 mil euros por ano.
O Japão onera 90 por cento das importações de arroz, com tarifas de 500 por
cento do preço de custo, desvirtuando a realidade do mercado e afastando,
assim, os produtores pobres.

OS OUTROS - Por áreas geográficas, os mais castigados pela Tríade dos ricos,
são os países de África. Segundo peritos da ONU, os subsídios americanos da
"Farm Bill" custam aos africanos 50.000 milhões de dólares por ano, que é igual
ao montante das ajudas dadas pelos países ricos a África. [Dá com uma mão, e
tira com a outra]. O Mali e Burkina Fasso são produtores de algodão, cuja cotação
no mercado era de 50 cêntimos em 1995, passou para 25/40 cêntimos nos dois
últimos anos. Um desastre.... Calcula-se que no Mali vivam mais de 8 milhões de
pessoas com menos de um dólar por dia. Nos EUA, os subsídios dados aos 25 mil
produtores de algodão, ascendem a 3,5 mil milhões de dólares. Isto representa
uma verba superior ao PIB de toda a África subsariana....

RESULTADO - Nos EUA 61 por cento dos adultos e 10 por cento dos jovens têm
problemas de obsidade, morrendo 300 mil americanos, por ano, dessa doença.
Para evitar o mal, os americanos recorrem ao "fitness", gastando nesse exercício
33 mil milhões de dólares por ano.
Em 2001 as estatísticas mundiais registavam, em todo o mundo, mais de 800
milhões de subnutridos. Na África subsariana, contam-se mais de 195 milhões de
pessoas com carência alimentar.

Com esta breve exposição, compreende-se melhor a constestação que é feita à
escala mundial pelas organizações "antiglobalização" contra a Organização Mundial
do Comércio (OMC). Como disse o Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, tudo isto
"é uma perfeita ilustração da hipocrisia da Administração Bush quando fala da
liberalização do comércio." Eu diria ainda mais: trata-se de "terrorismo económico"
exercido pelos mais ricos sobre os mais pobres. Enquanto esta política não fôr
alterada, não pode haver entendimento entre as nações -- porque barriga vazia,
não é boa conselheira, e pode levar a um grito de revolta, por ódio e vingança.







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