2003/08/13

 
UM DESERTOR NÃO É UM HERÓI

José Manuel Fernandes deve estar alucinado pela variedade de heróis que há nos EUA,
e dos quais tantas vezes nos dá conta, como está a acontecer agora, com a candidatura
de Schwarzenegger (o Terminator) a governador do estado da Califórnia. Isso já não é
de estranhar, o pior é que agora, quer arranjar heróis em Portugal, e, vai daí, aponta
para Maggiollo Gouveia, um desertor do Exército português, como um bom candidato a
herói por este ter sido o último a morrer no final do nosso Império Colonial.

Segunda-feira, em Mação, será prestada homenagem ao tenente-coronel Rui Alberto
Maggiollo Gouveia, oficial do Exército português, executado em Dezembro de 1975, em
Aisirimou, Timor-Leste. Este oficial era comandante da Polícia de Segurança Pública, em
Dili. Com o golpe de estado desencadeado pela UDT, o território mergulhou na guerra
civil, tendo o governador Lemos Pires ordenado a retirada das nossas tropas para a
ilha de Ataúro.
Neste caos político, o comandante da PSP Maggiolo Gouveia, faz uma proclamação na
Rádio Dili em 12 de Agosto de 1975, dizendo que "aderiu ao movimento da UDT, depois
de feito prisioneiro pelas forças operacionais daquele movimento". No final remata:
"Falou-vos Rui Alberto Maggiolo Gouveia, ex-tenente-coronel do Exército Português".

Tudo leva a crer que Maggiolo Gouveia terá acedido aos desejos dos dirigentes da UDT,
e, ao despedir-se como "ex-tenente-coronel do Exército Português", teria em mente
passar para o "outro lado", o lado do inimigo. Curiosamente, ele receava que aquele
seu gesto, fosse interpretado pelos seus camaradas com um acto de traição: "Alguns
poder-me-ão considerar traidor; mas um homem só é traidor quando trai a sua
consciência. Eu não podia mais continuar a trair-me a mim próprio".

O que Maggiolo Gouveia fez, não foi apenas um acto de traição, foi tambem um crime
de deserção -- crime este que não é consentido por nenhum exército do mundo. Já se
pensou no que seria se os militares do exército de Bush no Iraque, no Afeganistão, em
Guantanamo começassem a desertar, por problemas de consciência! Maggiolo desertou,
traiu os seus camaradas, jogou mas teve azar, porque logo no dia 20 de Agosto de 1975
dá-se o contra-golpe, levado a cabo pela Fretilin e acaba por ser preso, até que, a 15
de Dezembro de 1975, a Indonésia invade o território, levando os gerrilheiros a uma
fuga para a frente, matando tudo o que considerava inimigo. Nesta fuga ao invasor,
a Fretilin faz fuzilamentos sumários, e neles coube a má sorte a Maggiolo Gouveia,
ex-tenente-coronel do EP, ex-comandante da PSPde Timor.

José Manuel Fernandes -- que na altura era um militante maoista, como Durão Barroso--
talvez não tenha servido no Exército, porque se o tivesse feito, teria uma noção mais
precisa do que é um "desertor" e um "traidor" em termos de conduta militar, e muito
mais em tempo de guerra. Como refere no seu editorial de hoje no Público, "Maggiolo
Gouveia fez uma opção de liberdade, a sua, e morreu por ela".
Ora, nem mais. Portanto, não o queira promover a "herói" só porque ele foi o "último
militar a morrer pelo Império".
Haverá muitos heróis anónimos, desde oficiais, a sargentos e praças que lutaram pela
defesa e pela ordem do Império, e nada receberam. Certamente que seriam ofendidos
se a Nação viesse agora homenagear um desertor.






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