2006/03/01

 
Depois do Mardi Gras, em New Orleans, George Bush apareceu de surpresa
no Afganistão, nesta Quarta-feira de Cinzas. À sucapa e em surdina, pois só não
tem medo quem é parvo ou louco. Esta notícia deixou-me confuso, já que não era
de esperar tamanha ousadia de George Bush, ao visitar um país de ninguem, que
vive da caridade internacional, tem quase o monopólio da produção de papoila do
ópio, tem regiões onde só mandam os chefes tribais, e a sua capital, Cabul, ainda
existe, graças às forças de segurança da Nato e aos doadores internacionais que
sustentam a "corte e os cortesãos" de Amid Karzai, presidente escolhido pelos
EUA e posteriormente eleito por parte da população. Um país sem industria nem
comércio, encravado entre o Paquistão dos militares e o Irão dos ayatolas, ainda
continua a viver com os escombros da guerra, não havendo ideia sequer de como
vai reconstruir as cidades, apesar da comunidade internacional ter prometido
biliões de dolares para a reconstrução. Exceptuando grande parte de Cabul, todas
as grandes cidades estão em escombros, como Kandahar, a sul, terra de talibans.

Mas esta viagem relâmpago de George Bush ao Afganistão tem outros fins.
Não há dúvida que esta passagem por Cabul, pressiona o Paquistão a proceder
com maior rigôr ao controlo das suas fronteiras nas zonas de Peshawar e Quetta,
por onde passam os talibans da Al-Qaeda. Musharraff já afirmou que tudo tem
feito, mas se for preciso, encerra as passagens com arame farpado e coloca minas
nos locais de fronteira... E mais fará para agradar a Bush, que vai visitar a Índia,
durante tres dias. Uma viagem de negócios... Depois da China, a Índia vai ser o
mercado de maior potencial nos próximos vinte anos, com taxas de crescimento
económico de 8,5%... Bush não quererá que a Índia produza armas atómicas, mas
promete-lhe cooperação na área civil, dado que a Índia, para crescer, precisa de
energia mais barata e em grandes quantidades. Atrás destes acordos, outros se
seguirão no comércio e na indústria em geral. A Índia dentro de 40 anos terá um
mercado de 1.600 milhões de consumidores... E os States sabem dar valor a isso.

Portugal, que esteve na Índia durante 450 anos, podia ter relações comerciais
recíprocas com esta economia emergente, mas como acontece com Angola, parece
que temos "vergonha do passado colonial". Deixamos os outros fazerem negócios,
e nós a vê-los passar... Entretemo-nos à volta das "golden shares", dos centros de
decisão, do "mal" que possa vir de Espanha, e deixamos passar as oportunidades.
Que fizemos nós, pela Índia e por Portugal, durante os 450 anos de convivência
em Goa, Damão e Diu?... Nada. Construimos o Porto de Mormugão, em vésperas
da invasão, na esperança de trazer minério de ferro para a Siderurgia Nacional.
Acordámos tarde, não soubemos acompanhar a História. Agora vivemos à volta
do Mourinho, do Veiga e dos "10 Estádios 10", anestesiando-nos de bola, e sem
empreendedores capazes de olharem para o outro lado do mundo... onde nasce
o futuro. Empresários argutos e ousados, temos. Não temos é ambiente propício
para motivá-los a irem "à conquista" de novos mercados, exportando o que de
bom produzimos, levando tecnologia, know-how, partenariados, franchisings...

O paradoxo do Iraque está em que, enquanto uns queriam construir
ali uma "nação democrática", outros vão evitando que isso aconteça, ao
mesmo tempo que destroiem o que já havia: cidades e pessoas... Todos
os dias a violência, o terror e a morte acontecem no Iraque. Para nós,
ocidentais, tornou-se tudo tão previsível, tão banal... que já não choramos.





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